irredutivelmente.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

CERTEZAS


É um amor diferente
Que não pode ser
Que não pode se mostrar
Que não pôde vingar


É um cuidado de longe

Pelas preces e pedidos
Por olhares e desvios
Tímidos, acanhados 


É especial porque é
E só. Não há explicação
Cada jura em pensamento
É um projeto do tempo


É uma distância necessária

Que aquieta mares tortuosos
Que controla ventanias
No universo de um coração


Nosso amor não pode ser

Nosso amor não pode ver
O quão grande ele é...
Não agora.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

PADECIMENTO






Quando encontrá-la por aí
Diz a ela que estou bem
E não conte que sofri
Que nos caminhos que achei, segui

Conte que as saudades que sentia
Ainda são as mesmas de outrora
Que me lembram dias frios
Dias que não nos importava hora

Diga a ela que os poemas mal'escritos
São de um coração que foi perdido
Que o sol brilha pálido minha fronte
Dizendo: o amor está ao longe

Conte que não mais a procuro
Que sozinho aprendi ser seguro
Que a vida na luz cresce
E de poemas minh'alma padece

Conte que disseram-me pra que
Cante as músicas que ouvia
Brade os versos que tecia
Tire a tristeza que havia
E traga felicidade à alma vazia...

Diz que o mesmo já não sou
E que o destino me ensinou
Qu'enquanto o amor em mim viver
Padecerei de poemas: serei esse ser.


— escrito em 28/08/13.

domingo, 20 de outubro de 2013

DEVANEIO

Fotografia de © Arthur Henriques

Diz-me, ó céu escuro
Quanto tempo vai levar
Pra cessar o temporal
Que insiste continuar

Eu que sou livre
Não sei caminhar
A ventania do céu escuro
Me atrasa para chegar

Os caminhos sinuosos
Catedrais todas fechadas
Não há santo em canto algum
Cabanas vazias

Hei de chegar logo, meu amor
Percebê-la e aos pequenos
E não há de ser um sonho
Há de ser minha felicidade...

terça-feira, 3 de setembro de 2013

PAZ BRANCA


Você finalmente
me libertou
Veio a mim
suas palavras
e meu eu voou

Você me curou
As feridas que viu
E a sua resposta
Serena, sem ódio
Meu sorriso abriu

Agora caminho
Sem peso no olhar
Procuro meu ninho
Onde eu possa descansar

terça-feira, 27 de agosto de 2013

DEUSA DO SILENCIO





Eu tenho medo de me perder
Me perder e não achar
Navegar e nunca chegar
Nenhum cais, nenhum lugar

Eu tenho medo da solidão
Por isso corro sem destino
E grito aos quatro ventos
Quem me queira dar a mão

Vejo a lua e o mar
Vejo a vida devagar
Vejo os anos caminhando
Os traços pela face me ganhando

Demorou, mas tu chegou
E do escuro me arrancou
Minhas forças refizeram
E as sombras se esvaíram

O amor quando se foi
Fez trilha de migalhas, sagrada
E, sem saber, segui-a, cheguei
Ao teu sorriso, tua boca molhada

quinta-feira, 6 de junho de 2013

DIA SEIS


Confesso
que, pelo avesso me impeço
de viver.

Aos tropeços faço versos
Incertos
Que só eu sei o que contém

Solitário
Meu lado ao contrário
Perambula

Percebendo aos solavancos:
o destino
deixou para trás o menino

Da janela
Vejo o mundo correr la fora
Refugiado

As ruas da cidade me ouvem, iluminadas
Impacientes
Sobre amores e desilusões descontentes

Embebedo
O coração em meio às letras
Esqueço

O tempo passou
Voou
E cá estou, pra onde vou?

Foi-se o passado
Felicidade à descobrir.
Desbravo o presente!

segunda-feira, 20 de maio de 2013

ATÉ AQUI



Só os céus sabem o que passei
O que vivi, chorei e onde andei
Depois de ficar sozinho, bandaiêro
O sol agora me banha corpo inteiro

Aqueles dias ficaram pra trás
E, meu bem, tudo que eu quero
E ter meu coração em paz
Quero só viver, ser forte, ser cedro

Quero ser noite
Quero ser poeta sem destino
Ser dorido sem açoite
Levar aos ventos um só hino

Quero correr estradas sem fim
E levar minhas palavras de amor
No meu coração, sob sonoro clarin
Caindo letras pelo caminho sem dor

Apanhe algumas e guarde em si
Pois os versos que um dia dirigi
Me tomaram completamente
Egoístas, me usam para a dor alheia
Que um dia foi minha e se foi feito areia.

Do que é teu não tenha medo
Está tudo num lugar, em segredo
Sob a vigília atenta dos olhos do Céu
Os versos que lhe dei, o amor de um réu.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

O SER




Perambulava sem saber
Sem um norte a traçar
O que iria encontrar
Quando olhasse o seu ser

Dentro dele era gelo
Frio, pedra e apelo
Apelo por calor, clamor
Sem dor, amor

Via pelos cantos 
Cantos, prantos
E, sem entender como fazer
Sorrisos, felizes acontecer

Ninguém entendia
Sua felicidade estranha
Sendo sua única façanha
Traçar manuscritos tortos

Alguns o liam
E perguntavam
Onde aquele poeta frio
Ia ser, de vez, um ser.

terça-feira, 23 de abril de 2013

PAREDES DE CICATRIZ



Sou só um peregrino
Com amor inexplicado
De um jeito inacabado
Coração não lapidado

E nas noites de mansinho
Era só um menininho
Que da vida teme e espera
Pelo afago com carinho

Mas a vida foi mostrando
E aos poucos fui andando
Aprendendo, em desalento
Que na paz ou sofrimento
Sou o meu melhor recanto

E aos poucos fiz erguer
A fortaleza do meu ser
Com paredes de cicatriz
Me tornei um aprendiz

Mas basta você chegar
E, com um único olhar,
Minhas paredes desmoronar
Eu me entrego a te amar.

                      — 21.02

segunda-feira, 15 de abril de 2013

ENSAIO ARTIFICIAL


    
    Era segunda feira. O tempo estava úmido, quase frio. Não tardava a noite e as mentes das pessoas já acumulavam ideias burocráticas e complicadas. Eram coisas de vida adulta. Os carros andavam lentos pela marginal, e nas calçadas andavam seres imersos em seus mundos sendo guiados a sabe-se lá até onde.

    Os lampiões da Bourbon estendiam-se banhando os bancos e os casacos com suas luzes amareladas. Nas vitrines, belezas artificiais eram expostas e etiquetadas como solução para depressões. A televisão noticiava ataques nucleares. O som tocava musicas já sem letras com teor, feitas exclusivamente para venda. Tudo lento, tudo sem teor, tudo imerso no próprio mundo.   
     Meu pensamento caminhava lá fora, sorrateiro, enquanto sob a luz fraca de um abajur, com um vaporoso café, eu observava, pela janela, a vida supostamente e artificialmente acontecer.

terça-feira, 9 de abril de 2013

ANDANÇA

Foto: Marcela Galvão.


Caminhei
e vi meninos
com olhares a esmo
com vontade de correr e voar

Caminhei 
e vi senhoras
a beira de suas janelas
esperando a vida agir

Mas vi também senhoras
com enxadas na mão
sob o sol da sequidão
agindo diante da vida

Enquanto caminhei vi de tudo
vi senhores no banco da praça
vi Marias de olhos profundos
vi Josés de mãos calejadas

Vi doutores com máscara na cara
vi crianças brincarem com nada
vi o Mal em forma de anjo
E o Bem, sabe la onde foi...
...deve ter ido caminhar, procurar quem habitar.

segunda-feira, 25 de março de 2013

AGORA




Que essa mão que agora te entrelaça
Te ampare como eu não fiz
Que te afague como eu quis
E que te faça bem feliz

Que esse coração que hoje é seu
Te ame mais do que eu amei
E dê tudo o que não te dei
E que te faça sorrir

Que os sorrisos que lhe saem
Sejam de felicidade e amor
Fico com saudade sua
Deixa eu com minha dor

Deixa a dor aqui comigo
Pois aqui, ocupada demais
Não perambula sem saber
Não te vai entorpecer

Deixa ela aqui comigo
Enquanto isso vai sorrindo
E vivendo teu amor
Pois sem rimas
Eu só quero que seja feliz.



terça-feira, 5 de março de 2013

DOBRAS DE CONCRETO


    Toda esquina tem sua história. Seu beijo roubado, seu abraço apertado, seu amor acabado. Seus sorrisos desvanecidos e seus sorrisos nascentes. Sua despedida doída, sua chegada esperada. Há quem passe apressado e nem note a colcha de retalhos de tantas essências, de tantas histórias, de tantas vidas que deixaram pedaços ali. Observemos e deixemos pouco de nós com pouco do outro. Assim se faz a vida...

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

PAUSA PARA O CAFÉ



Traga-me um café
Dê-me suas palavras
Coloque-as nesta xícara
Falemos de semelhanças

Esqueça a hora lá fora
Enquanto se mexe o café
E se descobre mais afins
Nestes olhos de maré

Como ser tão parecido
Sem saber onde se estava
Por quais caminhos andou?
E por que tanto demorou?

Já que na vida não há tempo
Arranjemos um pouco dele, pois
Para rir dos defeitos, meu bem
Que a vida concebeu a nós dois

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

EXPEDIENTE



É que me encanta o entardecer
Em meio às paredes cinzas da cidade
Sem pressa alguma, sol à lua conceder

Lá do alto as janelas velam o vai-e-vem
E o tempo corre em seu rumo
Feito um grande rio sem destino
Enquanto o viaduto, em desatino
Observa-nos o destino escrever

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

VIDA ARQUIVADA



corria atrasado
pensamento lotado
de ideias burocráticas
o sol brilhava o mundo
girava e amores amavam
esqueci de olhar
esqueci de pontuar
vírgulas pontos pra que
no fim esqueci de viver

sábado, 9 de fevereiro de 2013

ESTILHAÇOS


        
       Reconstruir meu interior foi difícil. Sempre é, pelo que já ouvi da vida. Não digo que está finalizado, nem que estou ileso; mas não há como melhorar mais do que isso. Há pequenas rachaduras que permanecerão para sempre, como em qualquer coração. 
    Com o tempo, construí uma barragem que envolveu tudo o que passou, todas as lembranças daquele tempo, apanhando, neste meio, cuidadosamente, as boas recordações e colocando-as n'outro lugar, seguro. A segurança dessa barragem é incerta, mas o tempo se encarregará de solidificá-la.
       Desde que o furacão passara por mim, já há quase um ano, meu empenho voltou-se à organizar a bagunça. Pouco depois da devastação, ainda quebrei mais coisas, como a confiança e pouca credibilidade que já havia. Ocorreu que danifiquei mais coisas ainda achando que poderia consertá-las. Engano tolo. Quando percebi, já estava tarde demais, e a lua que me iluminava antes, já não era mais a mesma que servia de união em tempos passados.
       Mas algo deveria ser feito. Não se vive numa bagunça como aquela que havia dentro de mim. Se sobrevive, e eu não podia mais continuar apenas sobrevivendo. Atravessando dias e noites, percorri caminhos desconhecidos, conheci novas bagunças que continham coisas que arrumavam a minha, tomei cafés — ironicamente —, li novos livros, ouvi novas músicas, organizei o que chamava de espiritualidade, posicionando-me de vez quanto a isso, objetivei minha carreira e continuo caminhando. Ainda há muito o que ser feito, mas muito já foi feito, paradoxalmente.
     Quero ainda caminhar pelas ruas da madrugada, conversar com pessoas experientes, ler mais bons livros e tomar bons cafés. Quero me lembrar daquele beijo, daquela brancura e daqueles sorrisos tímidos que havia no encontro do olhar. Lembrar de modo que não doa, mas sim que acalente. De modo que eu não chore, mas de modo que eu sorria, ainda que num pequeno sorriso torto. Quero ter mais motivos pra sorrir, mesmo sabendo que os motivos que me farão desabar também virão, e com mais força do que nunca! 
     Quero novos amores, para curar as novas dores, que sem piedade alguma, nos faz da vida e destino, autores.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

ENTALHOS


A noite chorava
Minh'alma gritava
O silêncio inquieto
Onde estava você?

Os pingos caíam
As teclas batiam
O papel deslizava
Carta para você

As letras formavam
Desculpas e amores
Falava das dores
Que de saudade sofri

As cartas guardadas
Que foram desprezadas
Contém entalhadas
Os ditos de amor

Que haja o dia pleno
Em que cesse este tormento
E que lidas e queridas, as cartas
não mais desprezadas,
tragam-te, oh Branca, de novo
ao meu coração, à minha morada.

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

FELIZ 2013!


    
      O ano de 2012 não foi perfeito. E, olhando por esse lado, seria egoísmo demais querer que fosse um ano perfeito. Mas embora não tenha sido, foi um ano bom; bom mesmo! Houve reviravoltas e transformações. Foi o ano das coisas novas; o ano em que deixei fantasmas para trás e comecei a construir um novo eu, a projetar uma nova vida, a ser quem eu nunca fui, a definir quem serei. Durante este ano amei e fui amado; fui magoado — o que não é espanto —, mas em contrapartida também magoei. E no caminhar da vida, no passar dos dias, no oscilar das sensações, tudo voltou aos trilhos, e eu estava novamente pronto para voar, pronto para amar e pronto para viver. A vida é feita de amores e dores; afinal, que graça teria a vida se tudo fosse um balaio de perfeição?
      Neste ano muita coisa aconteceu. E embora pareça piegas dizer, muitas pessoas se foram, partiram para os seus caminhos — pessoas as quais eu não imaginei que sairiam de minha vida —, mas, por outro lado, chegaram pessoas especias — pessoas as quais eu sequer esperava que fizessem parte de minha vida — e que são pessoas com as quais eu espero conviver por muito tempo, na eterna aprendizagem e construção do meu ser, que só pode ser alcançada através da troca de aprendizagens e experiências. Aos que partiram, o meu muito obrigado por terem feito parte da construção da minha história. Aos que chegaram, muito obrigado, também, por fazerem parte do que será construído a partir de agora.
      Por vezes sorri para esconder o pranto, por vezes me calei para não magoar, por vezes explodi em impulsos e por vezes afirmei tudo bem para esconder uma ferida ou uma cicatriz. Mas também, por vezes, sorri verdadeiramente, cantei aos quatro ventos, escrevi poemas sobre a noite, sobre o amor e sobre a saudade, conheci pessoas fascinantes; chorei de emoção, vivi com paixão. Parece que neste ano, fui mais humano do que todos nos anos anteriores. Desfez-se o orgulho quando pude perceber que a felicidade se encontra nos momentos simples: nos leves sorrisos, nas conversas ao acaso, nos abraços apertados, nos encontros de olhares, no reencontro, na amizade verdadeira, no ser criança, no poder ser humano e sorrir ao acaso quando se tem vontade. 
      Para o ano novo que vem aí, quero ver o sol ir embora dando lugar à lua no céu. Quero sentir o vento no meu rosto. Quero que a chuva me molhe, e leve tudo aquilo que pesa. Menos burocracia e mais humanidade, é disso que precisamos. Quero tomar bons cafés e ler bons livros. Quero viajar. Quero escrever mais textos e poemas. Quero fortalecer minhas amizades e fazer novas destas. Quero amar e ser amado. Que as decepções que virão, sirvam de aprendizado, e que eu me torne mais forte. Quero que a vida me desafie, porquê uma vida sem desafios não é boa o suficiente para ninguém. Que 2013 não seja perfeito, mas seja melhor que o ano que passou. Feliz 2013! 

                                      
                                — Murillo Carvalho.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

SONHO DE DEZEMBRO


   
    Chovia como dezembro nunca vira. Lá fora os pingos formavam caminhos depois de encontrar o vidro da cafeteria em que estávamos. Nas ruas havia muitos guarda-chuvas correndo para lá e para cá, levando seus donos à suas tarefas, reuniões e compromissos quaisquer. A chuva caía e parecia não ter hora para parar. O frio era robusto, e era possível notar com perfeição o vapor que saía dos copos de café.
    Quando me virei do balcão com os copos na bandeja — que continha dois chocolates quentes e dois cafés duplos —, ela me observava com seu tímido sorriso. Embaraçado, mas espontaneamente, o retribuí. Sua beleza era algo que eu jamais pudera imaginar; e aquele sorriso, ah... Mas era real, e ela estava comigo. 
    Abrira o guarda-chuva e saímos. Ainda que o guarda-chuva não nos coubesse por inteiro, protegia-nos ao menos a parte superior, além dos cafés. Enquanto nos molhávamos um pouco, trocávamos olhares seguidos de sorrisos — a felicidade parecia invadir-nos, mesmo com o dia fosse cinza e chuvoso —.
    Chegamos ao apartamento um pouco molhados. Nada que fosse atrapalhar aquele dia. Depois de nos secar, sentamo-nos lado a lado, e nossos olhares trocavam confidências que só o silêncio podia ouvir. Com a lareira em pleno fogo, os quatro garotos de Liverpool tocando — era a banda preferida dela —, e nossos cafés em mãos, ficamos por horas e horas conversando, sorrindo, nos encantando e vivendo completamente a parte de tudo que acontecia. Enquanto o mundo lá fora corria, havíamos, ali, criado um mundo completamente particular, onde as horas não faziam questão de passar, e nós muito menos.
    Quando a noite caiu, ainda com o frio e a chuva forte que nos agradava muito, ela havia adormecido em meus braços, após tantos sorrisos e palavras trocadas. Eu respirava com o máximo de cuidado para evitar que ela acordasse com o movimento. A luz da lareira iluminava o rosto dela, deixando com que eu pudesse observar aquele lindo rosto que me fascinara e me entorpecera como nunca acontecera antes.
    Enquanto eu continuava a observá-la, um leve sorriso — daqueles bem discretos — formou-se em meu rosto, enquanto eu agradecia por ela, repentinamente, haver aparecido em minha vida. Havia sido um dia perfeito: chuva, frio e ela. Ela... Se existe sorte, sorte era poder tê-la em minha vida. E à medida que a noite mantinha-se fria e chuvosa, dei-me conta de uma coisa: eu a amava.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

CHÃO DO SOL



Além das bandas das capitais
Onde impera quem tem mais
Feito o rio segue a vida no agreste
Calma, mas não menos forte
Na terra rachada do nordeste

Na sequidão do chão que queima
Um olhar esperançoso teima
Em caminhar sertão afora
Em vencer a vida severina
E buscar a água que demora

E da vida boa que se tem
Vai se erguendo muito além
E mostrando aos da cidade
que o sertão não tem asfalto
Mas mora aqui a felicidade.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

COMPOSIÇÃO




    Hoje decidi fazer uma surpresa. Saí mais cedo da aula e fui às compras. Fui à floricultura e comprei algumas flores — tulipas amarelas. No supermercado cheio de gente feliz, comprei um vinho não muito caro e alguns chocolates. Não que eu não estivesse feliz; é que amor verdadeiro está muito além de felicidade. Felicidade é parte dele. Caminhei de volta para casa, iluminado pela lua que tanto gostamos, perguntando-me se ela ficaria surpresa e se gostaria do que eu prepararia. Imaginei seu sorriso tímido e a cara de espanto que você faria antes de me abraçar e me presentear com um longo beijo.
    Grosseiro que sou, joguei uma toalha bonita que achei no armário sobre a mesa, para que parecesse mais bonito. Quando o fiz, lembrei-me de sua risada ao ver-me tentando fazer algo que fosse doméstico. Eu não sabia fazer nada, mas por ela, eu aprenderia a fazer tudo. Coloquei sobre a toalha bonita — que era branca com algumas rendas nas bordas — dois copos para ocasiões especiais e a garrafa de vinho, seguido dos chocolates. Deixei o ramalhete de tulipas ao lado para que desse a ela quando chegasse. Perguntei-me se estava bom. Achei que estava perfeito; ela gostaria. Liguei o som e coloquei para tocar aquela música que você tanto gostava. Os quatro garotos de Liverpool eram ideais para a surpresa. Conversaríamos. Riríamos. Amaríamo-nos.
    Depois de tudo preparado, foi tudo ótimo. Por fim, tendo-a envolta em meus braços, saímos à varanda, para vermos nossa amiga majestosa. Estava cheia, e, devido à neblina que havia no tempo, parecia mais brilhante. Olhando no fundo dos seus olhos, após tirar o seu cabelo da frente deles, disse, num sussurro: "Amo você, Branca.".

    E tudo transformou-se num redemoinho de cores. Me encontrei deitado em minha cama, olhando para o teto. O perfume dela estava em minhas mãos, exalando aquele cheiro angelical, que me servia sempre que a queria perto de mim. Não houve surpresa. Não houve sorriso tímido nem beijo longo. Agora era só eu, e minhas lembranças, vida afora.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

LUZES


Tantas luzes acesas 
Janelas abertas a esmo
Tantas pessoas sorrindo
Tantos amores nascendo

Tantos lugares pra ir
Tantos caminhos a seguir
Tudo tão cartesiano
Tudo tão localizado

Mas e você
onde está que não está aqui?

domingo, 11 de novembro de 2012

VIDA-VERSO


Que os versos digam por todos
Que valham pelos amores
Que curem nossas dores
E nos invadam noite e dia

Que a vida seja verso
Que o verso seja vida
Que o sorriso seja título
Da vida que é poesia

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

GOTAS DE LEMBRANÇA


   
    O tempo parecia estar disposto a trazer lembranças. A chuva lá fora caía barulhenta. Os pingos marcavam a janela, embaçando o vidro e me tirando a visão do que ocorria na rua. Só podia ver o cinza — que podia ser confundido com branco — que tomava conta do céu. Pelas frestas o frio entrava uivante, tomando conta do meu corpo e de minha alma. A televisão falava de algo que eu não estava mais escutando. O café que bebia, que estava sobre a mesa, ainda quente, era o único calor que ainda havia naquele lugar. As lembranças entraram sem bater na porta e pelas pequenas frestas das janelas embaçadas sem pedir permissão.
    Àquela altura, eu já estava n'outro lugar. A primeira lembrança foi sua pele branca feito a neve, que reluzia qualquer luz que a tocasse. Em seguida veio seu cheiro que eu tanto gostava, e que me pego sentindo até hoje. Suas mãos delicadas, que desapareciam dentro das minhas, fazendo com que eu me sentisse seu protetor, e ela, que não precisasse temer nada. Seus olhos negros que me miravam, e eu, espantado, não sabia se dali viria um 'precisamos conversar' ou um 'eu te amo' seguido de uma risada por ver minha cara de espanto. Seu sorriso tímido quando eu dizia que a amava, sempre olhando para baixo nessas horas, e que, depois, sempre erguia a cabeça nivelando seu olhar ao meu, e com pureza e verdade no olhar, respondia que me amava também.
    Aos poucos as imagens ficavam turvas, distanciando-se, enquanto eu suplicava para que não fossem embora. Minhas lembranças eram o mais próximo que, agora, eu chegava dela. Estava de volta à realidade. A televisão ainda falava coisas que eu não me interessei em entender. O frio ainda corria por aquele lugar, carregando as lembranças que há pouco me invadiram. Olhando a janela, já não embaçada, pude ver os carros seguindo e as pessoas andando lá embaixo com seus guarda-chuvas; todos em suas rotinas e com suas mentes atribuladas. Enquanto me sentei novamente onde estava, tomando em minhas mãos a caneca com café quente, minha boca se contorceu num leve sorriso, enquanto minha mente se perguntava o porquê daquilo tudo e meu coração agradecia pelas doces lembranças e pedia que elas viessem sempre.
    Apanhei o controle remoto e desliguei a televisão. Queria silêncio. Queria ficar só. E naquele momento, envolto pelo frio que fazia e pela chuva que me vigiava, duas companhias me bastavam: meu café e minhas lembranças.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

CONVERSA COM A LUA


   
     Não importava o que ocorresse, as vezes você simplesmente aparecia. Surgia em meus pensamentos de súbito, o que me fazia contorcer a boca num sorriso que envolvia tristeza, saudade, amor em demaseio e nostalgia. Quando ocorria, meu olhar se perdia em meio a nada, enquanto minha cabeça tornava minhas lembranças reais; muito mais reais do que se pode lembrar.
    Não tinha hora nem lugar. Não importava a situação. Você vinha, e eu agradecia.
Embora sempre me dissessem que eu devia parar de pensar nisso, que eu não devia pensar no passado, que o futuro deveria ser vivido, não era controlado por mim. Por mais que eu, por um lado, relutasse ferozmente para que minha cabeça não se transformasse num túnel em que o fim era você, a outra parte de mim berrava aos quatro ventos que viesse até mim, ficasse e não mais partisse. Era como se a dor da sua ausência me proporcionasse um bem estar, por mais que doesse; o mesmo que eu sentia quando suas mãos estavam envoltas nas minhas, quando nossos olhares se encontravam e arqueávamos a boca num sorriso que carregava a nossa verdade.
    A noite estava escura, porém quente, enquanto eu andava pelas ruas. Então, com as mãos nos bolsos caminhando a passos curtos, enquanto minha cabeça rodeava e procurava explicações, ao olhar para o céu, vi que a senhora majestosa de todas as noites, a Lua, estava cheia e amarelada, mais uma vez banhando-me com sua luz e observando enquanto nada parecia fazer sentido. De tudo o que existe, somente eu e a senhora brilhante sabíamos daquilo que se passava dentro de mim. Deduzi que você estava longe de mim tal qual está a Lua. Quis, desesperadamente, algo que me levasse até você. Seria possível depois de todo esse tempo e de tudo o que nos distanciou? Perguntei à senhora brilhante, mas ela manteve seu silêncio majestoso.
    Era estranho o que acontecia comigo, pois sempre que você passava por mim, ou mesmo que eu a visse de longe, um torpor me dominava, meus pensamentos se perdiam, transformando-se num furacão se sentimentos, lembranças e deixava clara a conformidade por saber que, definitivamente, não receberia um olhar sequer, que dirá uma palavra.
    Enquanto eu andava pelas ruas, questionando-me e ao universo, recorria à senhora brilhante, que, mantida em seu silêncio pétreo, dizia que só o tempo e o silêncio podiam curar um coração. Eu seguia andando, esperando o dia — quem sabe quantos anos poderiam levar? — em que, ao encontrar-te, nossos corações sintonizassem-se novamente, fazendo com que eu ganhasse um sorriso seu de novo, após um longo abraço de felicidade por reencontrá-la.